Investigação científica e muita persistência levaram à prisão do assassino de mulheres

Integrantes da Polícia Civil que participaram das investigações de mortes de mulheres entre agosto e outubro de 2014 lembram dificuldades e coincidências que levaram à solução dos crimes que assustaram Goiânia

Em agosto de 2014, a morte de Ana Lídia foi o ponto de partida para que Tiago Henrique fosse preso pouco mais de dois meses depois | Foto: Fernando Leite / Jornal Opção

Em agosto de 2014, a morte de Ana Lídia foi o ponto de partida para que Tiago Henrique fosse preso pouco mais de dois meses depois | Foto: Fernando Leite / Jornal Opção

Augusto Diniz

Ana Lídia de Sousa Gomes, 14 anos, saiu de casa no sábado 2 de agosto de 2014 para pegar um ônibus e ir à Feira da Lua, na Praça Tamandaré, Setor Oeste. No ponto, na Avenida Piratininga, na Cidade Jardim, a adolescente foi assassinada com quatro tiros disparados por um motociclista com capacete preto em uma motocicleta da mesma cor.

Divulgado na semana do crime como o 12º homicídio contra mulheres com características parecidas com os outros assassinatos — mulher, jovem, cabelos compridos morta a tiros por motociclista sem assalto —, a morte de Ana Lídia, que saía de casa para ajudar a mãe em uma banca da feira, deu início à força-tarefa que prendeu o suspeito, condenado até o dia 15 de dezembro por 25 homicídios, um roubo a agência lotérica e porte ilegal de arma.

Tiago Henrique Gomes da Ro­cha, hoje com 28 anos, trabalhava des­de 1º de agosto de 2014 como vi­gi­lante no Hospital Materno Infantil (HMI) e cometeu seu último crime um dia depois de começar no úl­timo emprego que ocupou antes de ser detido pelos policiais civis. Des­crito pelos investigadores como um assassino que sente von­tade de matar, Tiago, apesar das condenações, foi inocentado pelo júri por dois crimes por falta de provas ou testemunhas.

Pelo crime que tirou a vida de Ana Lídia, Tiago foi condenado em 23 de abril de 2016 a 26 anos de prisão, que, somada às outras 26 sentenças, chegam a 584 anos e 4 meses em regime fechado. Como o cumprimento de um sexto da pena para ter direito à progressão de regime já ultrapassa 97 anos de cadeia, Tiago será obrigado a ficar os 30 anos de detenção máxima permitidos sem direito a sair do regime fechado. O réu confesso de 39 assassinatos de mulheres e homens desde 2011 já está detido há dois anos e dois meses, desde 14 de outubro de 2014.

Áudio no WhatsApp
O pânico era evidente entre mulheres, principalmente jovens, a partir de maio de 2014, quando um áudio no WhatsApp passou a ser bastante divulgado e compartilhado em grupos e conversas pelo aplicativo. “Tem um serial killer solto em Goiânia. E é serial killer mesmo. Ele tem uma moto preta e capacete preto. Em qualquer lugar, seja lugar que tem muitas mulheres, estabelecimentos, residências, enfim, ele aborda a pessoa na rua e pede o celular armado. Quando a menina vai dar o celular, ele atira na menina, ele não rouba e foge. Ele já matou 12 meninas aqui em Goiânia. Geralmente os ataques estão acontecendo no Jardim América, Sudoeste e na Nova Suíça.”

Estas informações, divulgadas no áudio que a Polícia Civil tratou como boato até o fim da primeira quinzena de outubro de 2014, causaram uma onda de medo entre as mulheres que moravam na capital, além de gerar grande preocupação de prisão em quem tinha moto.
Quando Ana Lídia morreu da mesma forma que outras 11 mulheres, como foi bastante divulgado na imprensa, que já tratava os casos como a ação de um possível serial killer, a Polícia Civil precisou dar uma resposta à sociedade e formar um grupo com esforços dedicados unicamente em solucionar os crimes de assassinatos de jovens do sexo feminino com as mesmas características.

Com aproximadamente 20 delegados de Goiânia e outras cidades e mais de 50 policiais, as investigações de 17 casos, 15 mortes de mulheres, uma de homem e outra tentativa de homicídio, foram divididas entre as equipes. Cada delegado que ficou responsável diretamente pelos casos tentou solucionar dois crimes dos incluídos na força-tarefa.

Um dos delegados que participou do trabalho de investigação foi o então adjunto da Delegacia Estadual de Repressão a Narcó­ticos (Denarc), Eduardo Prado, que ficou responsável pelas mortes de Janaína Nicácio de Souza, que tinha 24 anos e foi assassinada no dia 8 de maio de 2014 em um bar no Jardim América, e Bruna Gleycielle de Sousa Gonçalves, que tinha 26 anos e morreu no mesmo dia que Janaína em um ponto de ônibus. Atuaram ainda outros delegados, como o então titular do Grupo de Investigação de Homicídios (GIH) de Trindade, Douglas Pedrosa, que investigou as mortes de Lílian Sissi, de 28 anos, no dia 2 de fevereiro de 2014 no bairro Cidade Jardim, e da garota Ana Lídia.

Pouca gente acreditava

Delegado Eduardo Prado, já no início das investigações, defendeu a possibilidade de existir um serial killer matando mulheres | Fotos: Fernando Leite / Jornal Opção

Delegado Eduardo Prado, já no início das investigações, defendeu a possibilidade de existir um serial killer matando mulheres | Fotos: Fernando Leite / Jornal Opção

“Apesar de a imprensa já estar falando em serial killer nessa época, o então secretário de Segurança Pública e a cúpula da Polícia Civil não admitiam essa situação. Até porque pesaria muito ter um serial killer em Goiânia e esse criminoso não ter sido detido”, lembra Douglas. E as dificuldades eram grandes para solucionar os casos, até pela distância que o acusado dos crimes tinha das vítimas. Pessoas próximas dessas mulheres foram investigadas, mas sem ajudar muito a solucionar.

Enquanto a Polícia Civil tentava lidar com a dificuldade de chegar ao suspeito de cada uma das mortes, os parentes viviam a angústia de não saber em que pé estavam as investigações. Poucas informações eram divulgadas pela força-tarefa entre o início de agosto e o dia 14 de outubro de 2014, quando Tiago foi preso.

Eduardo, quando assumiu a investigação do caso Janaína, tinha até ali a informação de que o principal suspeito seria o marido da vítima por suspeita de traição. Ela foi assassinada quando estava no Buteko da Mainha, no Jardim América, na esquina das ruas C-1 e C-4. “O caso da Janaína foi o principal, do qual saíram mais provas para que a gente chegasse no Tiago. Cheguei a certo ponto da investigação em que eu vislumbrei que poderia ser o mesmo indivíduo.”

Algumas características como a maneira de andar, a forma como ele subia e descia da moto, as roupas que usava, como ele portava a arma de fogo e a quantidade de disparos começaram a chamar a atenção da equipe de Eduardo. “A gente investigou, não só eu, mas toda a força-tarefa, cada caso como sendo um caso em apartado procurando motivação para o crime e autoria delitiva. É complicado, porque muitas vezes a gente consegue achar motivo onde não tem”, descreve Douglas.

A complicação da força-tarefa, em todos os casos, era conseguir, na visão do delegado Douglas, pensar o crime com a mente do criminoso.

Imagens de câmeras de segurança possibilitaram detenção por coincidência

Douglas Pedrosa lembra que a análise de multas e imagens de circuitos de segurança ajudaram a precisar características do suspeito | Foto: Fernando Leite / Jornal Opção

Douglas Pedrosa lembra que a análise de multas e imagens de circuitos de segurança ajudaram a precisar características do suspeito | Foto: Fernando Leite / Jornal Opção

Várias horas de imagens dos circuitos de segurança dos locais próximos aos dos assassinatos ajudaram agentes, peritos e delegados nas investigações entre agosto e outubro de 2014 até chegar ao principal suspeito dos crimes contra mulheres em Goiânia registrados entre janeiro e agosto daquele ano. Mais de 100 mil fotografias de multas de trânsito foram analisadas.
Das fotos de infrações de trânsito, três multas ajudaram a levar ao suspeito. Duas no bairro Goiá e uma na Rua C-1 com a Rua C-7. En­quanto uma equipe de oito pessoas começou a realizar campanas e tentar prender esse suspeito por possíveis locais que ele passava com frequência na moto, outra buscava ligação entre crimes cometidos com motocicleta vermelha e outros com uma de cor preta.

Enquanto as equipes dos delegados Eduardo Prado e Alexandre Bruno Barros acreditavam na possibilidade de ser um serial killer o autor dos crimes, cada responsável por outros casos adotava uma linha de investigação diferente. No meio dos trabalhos da força-tarefa, alguns episódios chamaram a atenção da Polícia Civil.

Um deles foi quando a equipe do delegado Douglas Pedrosa resolveu vigiar o ponto da multa registrada entre as ruas C-1 e C-7 das 19 horas até as 23 horas do sábado 11 de outubro, que ficava perto de onde, em um sábado, Janaína foi assassinada no Buteko da Mainha, no Jardim América, na esperança de pegar o suspeito. “Foram quatro horas ali em cima de uma possibilidade remota. Quem sabe ele não passa aqui de novo? A gente desmobilizou a equipe por volta de 23h15. Quando foi 1 hora da manhã, chegou a mensagem de que ele havia tentado matar uma pessoa em uma praça perto de onde nós tínhamos feito a campana.”

Recém-chegados

Recém-chegado à Polícia Civil, o agente Juliano Telles duvidou no início das investigações que existisse um serial killer em Goiânia | Foto: Fernando Leite / Jornal Opção

Recém-chegado à Polícia Civil, o agente Juliano Telles duvidou no início das investigações que existisse um serial killer em Goiânia | Foto: Fernando Leite / Jornal Opção

Por mais triste que fosse o motivo da realização da força-tarefa, já que se tratava de uma série de crimes que deixaram as mulheres da capital preocupadas com a possibilidade de novas ocorrências, as investigações foram a oportunidade de dois novos agentes da Polícia Civil. Juliano Telles, com 31 anos em 2014, e Wendel Souza, aos 28 naquela época, entraram na polícia no mesmo ano e faziam parte da equipe do delegado Douglas, em Trindade.

“Era 24 horas por dia. Não tinha hora certa de parar”, lembra Wendel. Os dois recordam das dificuldades em solucionar os casos até o fim da força-tarefa. Wendel chegou a duvidar algumas vezes se seria possível encontrar o suspeito. “Quando apareceu o áudio no WhastApp, eu duvidei. Uma amiga me perguntou, e eu disse que era outra coisa, que não existia isso de serial killer em Goiânia”, declara Juliano.

Os dois não duvidam, pela profundidade do trabalho de investigação realizado, que Tiago seja mesmo o assassino das mortes investigadas em 2014. “No começo, a gente achou que fosse outra pessoa o autor dos crimes, mas com o andamento das investigações, as provas foram se juntando até chegar nele”, afirma Wendel.

Juliano diz que até hoje há quem ainda pergunte se foi mesmo Tiago que matou as mulheres em 2014. “Eu tenho a convicção de que foi o Tiago mesmo, até pela riqueza de detalhes que ele deu de cada caso e as confirmações dos exames de balística”, defende Douglas. Eduardo também afirma que detalhes como as informações da placa roubada no estacionamento de um supermercado, a numeração das placas usadas pelo suspeito registrado nas imagens de vídeo e os laudos deram a cer­teza à Po­lícia Civil de que a pessoa presa e que hoje enfrenta o Tribunal do Júri em mais de 30 casos é mesmo o responsável pelas mortes.

Agente Wendel Souza lembra que foram muitos os dias que trabalhou além do expediente para evitar que novas mortes acontecessem | Fotos: Fermando Leite / Jornal Opção

Agente Wendel Souza lembra que foram muitos os dias que trabalhou além do expediente para evitar que novas mortes acontecessem | Fotos: Fermando Leite / Jornal Opção

“Eu tinha uma conhecida que trabalhava no mesmo hospital que ele (Tiago) e falava que ele parecia uma pessoa normal, não imaginava que ele seria capaz de matar alguém.”

Wendel lembra que, du­rante os trabalhos, que muitas ve­zes exigiam levar coisa para casa pa­ra analisar, havia a preocupação de o suspeito voltar a matar mu­lheres em Goiânia. A intenção dele e de toda a força-tarefa era resolver o quanto antes, dentro do possível, os homicídios investigados.

Detalhes, como o parabarro cromado, mata-cachorro cromado e duplo, as capas de tanque nas cores vermelha e preta, a altura do suspeito, a cor dessa pessoa, uma moto 150 cilindradas, fizeram com que o mandado de prisão ficasse mais possível de ser conseguido, mesmo que se não tivesse o nome do suposto serial killer.

Dificuldades
A reunião para colocar as equipes em pontos fixos da cidade, já em outubro de 2014, teve que mudar de local algumas vezes no mesmo dia. Na terça-feira 14 de outubro daquele ano, todos os delegados e policiais, cerca de 200 pessoas, se reuniriam no auditório da Secretaria de Segurança Pública (SSP). Mas já havia um evento da Polícia Militar marcado para o local.

Em vez de acontecer às 10 horas daquele dia no auditório, a ideia foi fazer a reunião no ginásio do complexo das delegacias especializadas, na Cidade Jardim. Só que o local não tinha ar-condicionado. Mas a prioridade era prender o suspeito, qualquer que fosse o lugar marcado para o repasse de informações da moto e do suposto assassino aos policiais que participariam das equipes de busca nas ruas.

Os delegados afirmam que os 200 policiais foram escolhidos a dedo para participar das equipes que tentariam prender o suspeito com diligências a serem iniciadas logo após a reunião. Esse encontro se deu por volta de 14 horas no auditório do Instituto Médico Legal (IML). “Eu lembro que lá pelas 16 horas eu já estava exausto e saí para fumar. As pastas foram sendo distribuídas para formar as equipes.”

Nesse intervalo, Douglas diz que recebeu uma ligação do delegado Deusny Aparecido, chefe da força-tarefa e então superintendente da Polícia Judiciária da Polícia Civil, e foi informado de que uma equipe de policiais do serviço de inteligência havia prendido Tiago na moto com as características, era então o suspeito dos crimes. “Eu perguntei ‘como?’.”

O momento da prisão de Tiago no dia 14 de outubro de 2014 tem duas versões. Na de Eduardo Prado, a reunião havia acabado e, cerca de cinco minutos depois, uma equipe que havia iniciado as buscas pelo suspeito cruzou com a moto e fez a abordagem. Já Douglas Pedrosa relata que um policial da inteligência havia esquecido a carteira, saiu durante a reunião para buscar e no meio do caminho viu Tiago passando na moto, quando aconteceu a detenção.

“A hora que a reunião acabou, por volta de 17h40, uma equipe, que era da inteligência e faria parte desse monitoramento, saiu do IML, desceu a Comurg, virou à esquerda na Avenida Cas­telo Branco e viu um indivíduo idêntico passando com aquelas mesmas características. Eles inclusive perderam ele de vista, deram a volta e esse indivíduo passou do lado da viatura, quando eles abordaram”, diz Eduardo.

A frieza de Tiago ao contar os crimes foi relatada pelos delegados e agentes ao lembrar o dia da prisão do ainda suspeito de ser o serial killer. O primeiro a ouvir o suposto assassino foi Douglas, que começou a tentar ganhar a confiança de Tiago ao elogiar a ação do suspeito e já dizer que sabia de tudo que ele tinha feito.

O delegado da GIH de Trindade, que atualmente é titular da Delegacia Estadual de Investigações de Homicídios (DIH), notou o Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) de Tiago, organizando e desorganizando papéis sobre a mesa na sala da delegacia. “O psicopata geralmente é muito organizado.”

Ao pedir para tirar as algemas de Tiago, Douglas falou para ele arrumar a calça, que estava sem cinto. “Eu acho que elogiei ele de 30 a 40 minutos como técnica de interrogatório. Falei um pouco da minha carreira, da força-tarefa. Elogiei Tiago, disse que ele parou o Estado, que colocou 200 policiais para pegá-lo.”

Momento da confissão
“Fala para mim, começando assim, qual foi a primeira menina que você matou. Ele olhou para mim e falou ‘eu não comecei matando menina’.” Douglas relata que inicialmente ele falou que tinha matado 42 pessoas. Em seguida, Tiago começou a enumerar os casos, que só deram 39 assassinatos. “Eu acredito que os crimes que ele não enumerou podem ser aqueles que tragam algum demérito. Podem ser crimes contra crianças ou crimes com estupro”, declara Douglas Pedrosa.

O delegado Eduardo Prado foi atrás da autorização da Justiça para fazer a busca e apreensão na casa do suspeito, no Conjunto Vera Cruz 2. A equipe de outro delegado foi ao local, onde foram apreendidos moto, revólver calibre 38 com numeração raspada e outros objetos, como a capa vermelha da moto.

Para os agentes Juliano e Wendel, participar da força-tarefa foi uma gratificação enorme, ainda mais para dois policiais civis que haviam sido efetivados no mesmo ano em que os trabalhos foram realizados para solucionar o caso do serial killer. Se a Polícia Civil não tivesse conseguido concluir as investigações e prender o suspeito, as buscas seriam passadas para a Polícia Militar após a conclusão dos trabalhos.

Antes que isso acontecesse, outras meninas, como a adolescente Ana Lídia, tiveram suas vidas poupadas com a prisão do responsável pelos assassinatos que assustaram as mulheres de Goiânia em 2014. Depois foi descoberto que a lista de mortes incluía outras pessoas, inclusive homicídios de moradores de rua.

As 108 horas que fecharam a investigação em um só suspeito de ser o assassino

A morte da garota Ana Lídia de Sousa Gomes, de 14 anos, assassinada no dia 2 de agosto de 2014, deu início à força-tarefa que chegou a Tiago Henrique Gomes da Rocha, de 28 anos, condenado até o final de 2016 por 25 homicídios que incluem mulheres e homens. Mas foi a investigação do caso da jovem Janaína Nicácio de Souza, morta aos 24 anos, em 8 de maio de 2014 no Buteko da Mainha, no Jardim América, que trouxe as primeiras informações que ajudaram a descobrir qual era a motocicleta utilizada pelo autor dos crimes.

O então delegado adjunto da Delegacia Estadual de Repressão a Narcóticos (Denarc), Eduardo Prado, assumiu a investigação da morte de Janaína quando a força-tarefa foi iniciada, entre os dias 3 e 4 de agosto daquele ano. Naquele momento, o principal suspeito do assassinato era o marido e a suposta motivação do crime seria traição. “Cada delegado estava com dois casos e cada um tinha uma linha de investigação. Não havia um consenso em haver um só matador. Em alguns casos diziam que era uma moto vermelha e em outros que era preta”, lembra.

Foram 73 dias entre o assassinato de Ana Lídia, em um ponto de ônibus no setor Cidade Jardim, no dia 2 de agosto de 2014, e a prisão de Tiago na terça-feira, 14 de outubro do mesmo ano. Ainda no primeiro mês de intensificação dos trabalhos da Polícia Civil em torno dos casos de assassinatos de mulheres, a equipe do delegado Eduardo Prado passou a focar em duas investigações, das mortes de Janaína e de Bruna Gleycielle Gonçalves, de 27 anos, ocorridas no mesmo dia, baseada na hipótese de que se tratava de um mesmo autor nos dois homicídios.

A suspeita de que o assassino de Bruna e Janaína, mortas em locais próximos na noite de 8 de maio daquele ano, poderia ser o mesmo homem branco, com 1,87 metro de altura, em uma motocicleta preta ou vermelha, com uma mochila escura, capacete preto da marca Taurus e sapatênis preto com detalhes brancos surgiu a partir da análise de imagens do circuito de segurança de locais próximos ao do bar em que Janaína foi morta. “A força-tarefa fazia reunião toda terça-feira no QG da Polícia Civil, na Secretaria de Segurança Pública, para explanar o que nós tínhamos conseguido de provas novas e ouvir os dados da investigação de cada colega.”

Imagem de uma fuga

Trabalho de profissionais do Instituto de Identificação incluiu a confirmação de digital e análise de imagens de câmeras | Foto: Fernando Leite / Jornal Opção

Trabalho de profissionais do Instituto de Identificação incluiu a confirmação de digital e análise de imagens de câmeras | Foto: Fernando Leite / Jornal Opção

Com esforços dedicados ao caso de Janaína, do qual a equipe do delegado Eduardo tinha mais dados, a investigação avançou. Uma das testemunhas do crime, que estava no bar no momento do assassinato, anotou a primeira letra da placa da moto Honda CG Fan 15 cilindradas – K – e os números – 6144 – que o suspeito usou para chegar ao bar e fugir do local. Às 15h57 do domingo 13 de abril de 2014, a placa NKP 6144, de uma moto, foi furtada no estacionamento do Supermercado Leve, na Avenida Anhanguera, Setor Leste Universitário, por um homem branco, alto, que usava uma mochila preta, capacete da marca Taurus na mão e sapatênis preto com detalhes brancos. Vinte e cinco dias depois, Janaína e Bruna Gleycielle foram assassinadas por uma pessoa do sexo masculino em uma moto com uma das letras e a mesma numeração furtada há quase um mês.

“Nesse local, nós conseguimos captar imagens do circuito de segurança do rapaz cortando essa placa.” Para Eduardo, as características do suspeito do furto chamaram a atenção, principalmente pela frieza de agir com tranquilidade em um lugar onde passava muita gente perto dele. “Ele segurava na mão um capacete da marca Taurus, um jovem bem apessoado, com cerca de 1,90 metro, um sapatênis preto com as bordas brancas e uma mochilinha que ele usava nas costas”, descreve.

Com 108 horas de imagens de câmeras de segurança de diferentes locais e crimes investigados pela força tarefa, Eduardo pediu a uma integrante do Instituto de Identificação da Polícia Civil, que na época pertencia à Superintendência da Polícia Técnico-Científica (SPTC), que analisasse os vídeos para realização de um exame prosopográfico para chegar ao reconhecimento facial através das gravações.

Mas a datiloscopista, que é fonoaudióloga forense, verificou que não seria possível realizar o reconhecimento pelo rosto dos suspeitos ou do suspeito que aparecia nas imagens. A pessoa recebeu o material com as 108 horas de gravações e, com a ajuda de uma fisioterapeuta e uma educadora física, passou mais de um mês na análise dos detalhes dos vídeos. Sem elementos suficientes para fazer o reconhecimento facial do ou dos suspeitos, passou-se ao exame de análise postural das pessoas que apareciam nos circuitos de segurança.

Uso da placa
A placa furtada no supermercado foi usada 13 dias depois, no sábado 26 de abril de 2014, durante o assalto a uma farmácia na capital. Para sorte dos investigadores, o gerente anotou a placa da moto utilizada pelo assaltante. E era NVO 4288. No momento em que assistiu ao vídeo do furto da placa, esse funcionário da drogaria reconheceu o suspeito como sendo o mesmo que teria roubado a farmácia, já durante os trabalhos da força-tarefa, entre agosto e outubro do mesmo ano.

Como o gerente da farmácia reconheceu no suspeito de furtar a placa a mesma pessoa que teria assaltado o local em que ele trabalhava, o delegado começou a suspeitar que a pessoa em questão tentava assaltar as mulheres que assassinava. Enquanto isso, o exame de análise postural chegou à conclusão de que o suspeito em todas as imagens de diferentes crimes poderia ser o mesmo homem porque a postura corporal do suposto criminoso e a forma de andar era idêntica em todos os vídeos, desde a forma como ele empunhava a arma de fogo e atirava, o jeito de andar até a maneira de subir e descer da moto.

A cada evolução na análise das imagens, a fonoaudióloga forense responsável pelo exame passava as informações ao delegado, que incluía nas investigações, assim como compartilhava com os outros participantes da força-tarefa para auxiliar na tentativa de prender o suspeito de matar 15 mulheres, um homem e tentar matar outra vítima. Tanto a responsável por essa análise de imagens de vídeo e os policiais civis Juliano Telles, de 33 anos, e Wendel Souza, de 30 anos, da Delegacia Estadual de Investigação de Homicídios (DIH), confirmaram que houve uma dificuldade muito grande em chegar à cor ou cores exatas da moto utilizada nos assassinatos. “A imagem estoura quando você amplia”, explica o delegado Douglas Pedrosa, hoje na DIH, que também participou das investigações.

Mesmo com as novas câmeras de segurança que foram instaladas este ano na cidade, que possuem qualidade de alta definição de vídeo (HD), ainda há a dificuldade quando o assunto é definição de cores em uma gravação. Na realização do exame postural houve a complicação, por se tratarem de imagens de câmeras que nem sempre oferecem uma boa definição, o registro ampliado na tela pixaliza (quadricula) e reduz a possibilidade de concluir, principalmente, a cor dos objetos que aparecem naquele momento da gravação.

O trabalho da fonoaudióloga forense, com apoio de uma educadora física e uma fisioterapeuta de analisar a postura e detalhes no jeito dos suspeitos em imagens de vídeo de padarias, farmácias, lotéricas e nos assassinatos chegou à seguinte conclusão: “Após análise minuciosa da postura e da marcha do indivíduo nos vídeos em questão, podemos perceber que existe grande semelhança entre eles, desde o tipo de vestuário e calçado até o biótipo, atitude postural e marcha, sendo estas últimas o nosso maior enfoque. Em relação ao biótipo do indivíduo, os vídeos analisados definem um porte atlético magro com massa muscular igualmente distribuída entre os segmentos corpóreos”.

Digitais

Hoje gerenciado por Antônio Maciel Aguiar Filho como órgão independente da SPTC, profissionais do Instituto de Identificação também foram responsável pela realização do retrato falado de Tiago, naquela imagem que ficou conhecida nos grupos de WhatsApp e na internet como a cabeça de um homem branco com um capacete preto na cabeça, e a confirmação de que as digitais contidas em uma carta enviada ao delegado Murilo Polati, então titular da DIH, e em um copo encontrado na cena do assassinato de um homem eram mesmo do homem preso no dia 14 de outubro de 2014.

Assassino dos pés abduzidos, vaidoso e que agia com frieza

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“Algumas vítimas das farmácias diziam que ele era muito frio, com olhar de psicopata.” A descrição feita por pessoas ouvidas pelo delegado Eduardo Prado batia com a tranquilidade na hora de agir demonstrada pelo suspeito registrado nas imagens de vídeo. A investigação do caso Janaína incluiu uma padaria próxima ao bar em que ela foi assassinada. Nessa panificadora, testemunhas de dois assaltos realizados em um intervalo de cerca de uma semana reconheceram a pessoa que depois seria identificado como Tiago Henrique Gomes da Rocha como o suspeito dos roubos.

Foi quando apareceu a segunda placa — NVO 4288 —, esta também furtada, mas no estacionamento do Araguaia Shopping, no Setor Norte Ferroviário. “Ele assaltou um dia com uma moto vermelha e outro dia com uma moto preta. Mas, quando você faz a análise de um melhoramento de imagem, quando ele assalta de moto vermelha, o tanque da moto era vermelho, não brilhava no sol, mas o paralama da roda dianteira era preto. Ou seja, ele usava capa preta e capa vermelha em cima de uma moto preta.”

A partir deste ponto da investigação, surgiram outros elementos, além do uso das duas capas de tanque na moto, mata-cachorro duplo e cromado dianteiro, freio a disco nas duas rodas e lameiro (parabarro) com símbolo da Honda do tamanho médio traseiro. “Em um dos inquéritos que estava com outro delegado, havia uma testemunha que dizia que o cara que matou a menina estava em uma moto vermelha, porém ela observou que era capa porque não brilhava no sol”, lembra Eduardo.

Enquanto isso, o exame postural confirmava detalhes percebidos durante a investigação na análise das imagens, como a forma como ele andava. Tiago, ainda como um suspeito não identificado, caminhava com os pés abduzidos, vulgarmente chamado de “10 para as 2”, em referência aos ponteiros do relógio. Nos vídeos do momento do assassinato da jovem Lílian Sissi Mesquita e Silva, que tinha 28 anos, no dia 3 de fevereiro de 2014 no Setor Cidade Jardim, e do assalto da padaria no Jardim América, era possível notar que os passos dos suspeitos eram iguais.

Mesma pessoa

Chegou em um ponto da análise dos vídeos no qual as três pessoas que verificavam cada detalhe nas 108 horas de gravações começaram a pensar que assistiam aos mesmos vídeos quando se tratavam de registros de diferentes crimes. Em um dos dias de exame postural, uma das profissionais comentou “uai, mas esse é o mesmo vídeo”, quando se tratava de material retirado da câmera de segurança de outro crime.

O trabalho levou à conclusão, além da verificação dos pés abduzidos no caminhar de Tiago Henrique, dos movimentos de rotação externa dos joelhos e quadril, da retroversão pélvica, que é um desvio de postura que empurra a pelve para trás, da discreta cifose torácica, que é uma curvatura da coluna vertebral além do normal, da pequena protusão de ombros, quando os ombros ficam projetados para frente, da cabeça levemente anteriorizada, quando a cabeça está em posição para frente desalinhada com o resto a coluna, e da pouca dissociação de cintura escapular (região dos ombros) e pélvica (pélvis, cintura).

Em seguida, na segunda-feira 6 de outubro de 2014 aconteceu um roubo a casa lotérica Cantinho da Sorte, que rendeu, em abril de 2015, a primeira condenação de Tiago Henrique. Na manhã daquele dia de 2014, o ainda suspeito de ser o serial killer usou a moto com a placa NVO 4288 para assaltar R$ 3,9 mil da loja, além de R$ 250 de clientes que estavam no local.

“Ele demonstra frieza na hora do assalto. Na fila, ele começa a tirar dinheiro de todo mundo e ninguém percebe. Nem parecia um bandido comum, cuja tendência é botar o terror. Em todos os assaltos ele não grita. Só depois de um tempo as vítimas perceberam que era um assalto.”
Pelo relato das pessoas que estavam na lotérica do Centro, Tiago viu policiais do extinto Serviço de Interesse Militar Voluntário Estadual (Simve) se aproximarem do local do assalto. “Ele é tão frio, que no momento que ele assalta, uma pessoa anota a placa dele e outras gritaram para os policiais do Simve na Avenida Goiás que tinha um bandido. Os Simve vieram correndo. Ele esperou dar uma distância de três a quatro metros para olhar para trás e sair na moto”, descreve o delegado.

Tiago chegou a dizer a um dos delegados que saiu muito barbudo em uma das fotos logo depois de ser preso, que precisava se barbear. Em alguns momentos, há a informação de que Tiago chegou a se vangloriar dos assassinatos. “Não sabia que ela era tão bonita”, teria dito depois de ser detido ao ver a foto de uma das vítimas no inquérito.

NVO 4288

Depois do assassinato de Ana Lídia, em agosto de 2014, a última tentativa de homicídio de Tiago aconteceu na madrugada do domingo 12 de outubro do mesmo ano, quando ele atirou contra uma jovem que lanchava em um pit-dog no Jardim América, perto do local em que Janaína morreu. Mas a arma lencou (falhou) cinco vezes enquanto estava apontada para a cabeça da vítima. Em seguida, o autor da tentativa chuta a garota e vai embora. A placa da moto utilizada para sair da praça era a mesma: NVO 4288.

Outros suspeitos chegaram a ser presos, mas sem qualquer envolvimento

Iniciados os trabalhos da força-tarefa da Polícia Civil em agosto de 2014, no sábado, 9, a Polícia Militar prende, por meio das Rondas Táticas Os­tensivas Metropolitanas (Rotam), um homem de 27 anos em São Luís de Montes Belos, a 120 quilômetros de Goiânia, com uma motocicleta preta roubada já desmanchada, roupas pretas e capacete preto.

No final de setembro do mesmo ano, Flávio Marques Alves foi condenado a dois anos e seis meses de prisão em regime fechado por receptação de objeto roubado. Ele era lavador de carros e nada tinha a ver com mortes de mulheres em Goiânia. Além da pena, Flávio foi obrigado a arcar com o prejuízo de R$ 2,8 mil pagos pelo objeto produto de roubo.

Oito dias preso, 21 deles nas delegacias especializadas do Setor Cidade Jardim e sete na Casa de Prisão Provisória (CPP), em Aparecida de Goiânia, um entregador de farmácia também chegou a ser considerado suspeito por dois dos crimes investigados pela força-tarefa. Ele foi detido em casa na tarde da quinta-feira, 7 de agosto de 2014. Pela linha de investigação, ele foi considerado um dos supostos autores do assassinato de Janaína, no Jardim América. No momento da prisão, os policiais apreenderam roupas pretas, a moto preta e o capacete da mesma cor. Não encontraram armas na residência do entregador.

“Dias contados”

Um dos suspeitos investigados pela força-tarefa da Polícia Civil tinha uma moto com as mesmas características do veículo investigado e apresentava comportamento que chamou a atenção dos policiais. A pessoa observada ia sempre a uma mesma copiadora com recortes de jornais, pedia cópias das notícias publicadas sobre as mortes de mulheres em Goiânia. Em uma das idas ao local, ele teria dito que os dias de um político goiano estavam contados.

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