Número de presos liberados em Goiás é mistério

O Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) não tem informação precisa sobre o impacto da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre prisão em segunda instância. No dia 8 de novembro, o órgão chegou a divulgar um número de 170 presos que podem ser beneficiados pela decisão, mas corrigiu o valor para 141 nesta semana. Um erro na extração do número teria incluído réus condenados com prisão temporária convertida em preventiva, que não se enquadram na decisão do STF.

No entanto, após a reportagem encontrar inconsistências nos processos de detentos que estariam entre os 141 casos, o tribunal reconheceu o problema no próprio banco de dados e afirmou que esse tipo de informação fica apenas no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), responsável pela fiscalização e transparência do Poder Judiciário. Por sua vez, o CNJ informou que não divulgaria o número de detentos que podem ser beneficiados por Estado. Em todo o país, 4.895 presos podem ser contemplados, segundo o CNJ.

Entre as inconsistência encontradas está o caso de Edmar Silva Rosa, condenado em 2ª instância em Iporá pelo assassinato do jovem Gineton Daniel Assis Silva com um pedaço de madeira e um canivete em janeiro de 2017. No banco de dados do TJ-GO ele aparece como tendo o tipo de prisão “flagrante”, mas a reportagem apurou que na verdade ele está preso “preventivamente”. Nesse caso, ele não pode responder ao processo em liberdade, mesmo tendo recorrido. Da lista de 141 réus julgados em 2ª instância, 122 estão com o tipo de prisão sinalizado como “preventiva”.

Além disso, não deveria ter prisão em flagrante entre os que foram condenados em 2ª instância, já que esse tipo de prisão só dura até 24 horas, quando deve ocorrer audiência de custódia. Nove casos do banco de dados do TJ-GO estavam como tipo de prisão “flagrante”.

Outra inconsistência nos dados do Judiciário goiano é a existência de nove casos em que o tipo de prisão do condenado é “definitiva”. Se o réu é condenado em 2ª instância e entrou com recurso, a prisão não deveria ser considerada definitiva.

De acordo com o TJ-GO, o banco de dados interno, de onde foi extraída a lista de condenados em 2ª instância, é preenchido pelos próprios servidores de cada comarca, responsáveis por alimentar o sistema. O Tribunal informou que esse banco de dados é antigo e foi descontinuado. Atualmente, as informações sobre processos seriam atualizadas apenas no Cadastro Nacional de Monitoramento de Prisões (BNMP 2.0), adotado no início de 2018 em Goiás.

Ainda segundo o TJ-GO, apenas o CNJ tem acesso ao conteúdo desse banco de dados nacional. A partir dele, o órgão chegou ao número de 4.895 mandados de prisão de condenados em 2ª instância, que seriam beneficiados pela decisão do STF.

A reportagem pediu ao CNJ a quantidade de mandados de Goiás, mas o órgão informou que não passaria essa informação. A reportagem solicitou uma justificativa para essa negativa, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição.

Repercussão

O promotor Marcelo Celestino, que acompanha o sistema prisional goiano, reconhece a falta de dados confiáveis do TJ-GO. Ele exemplifica com a situação da 1ª Vara de Execução Penal, que não estaria conseguindo informar com rapidez quem tem condições de sair com condenação em 2ª instância.

Para Celestino, isso pode prejudicar no cumprimento da pena, com a demora para obter informação. No entanto, ele pontua que a decisão do STF deve atingir uma parte pequena da população carcerária. “O impacto é mais social do que na execução penal propriamente dita.”

O advogado criminalista Gilles Gomes vai além e diz que a falta de dados corretos atinge outras áreas, resultando, por exemplo, na falta de monitoramento de guias de prisão provisória, documento que atesta se o preso está cumprindo pena antes o trânsito em julgado, que é a condenação definitiva.

“Muitas das pessoas que já têm a guia provisória emitida em primeira condenação não tem essa guia juntada em um processo de execução penal”, diz. Isso faria com que o tempo de cadeia do réu antes de ser julgado não fosse contado em um novo julgamento.

Histórico

Não é a primeira vez que a falta de dados do judiciário é notícia. Reportagem do POPULAR de agosto de 2019 mostrou que TJ-GO não monitora a quantidade de assassinatos que foram esclarecidos ou não. Dados chegaram a ser passadas pelo Tribunal para o Instituto Sou da Paz, mas foram considerados “incompletos ou inconsistentes”. Na época, o TJ afirmou que para conseguir dados sobre homicídios precisava fazer um levantamento olhando cada processo físico.

Sistema deve acabar com inconsistências

O Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO) está implantando o Sistema Eletrônico de Execução Unificado (Seeu), que deve ser usado pelos tribunais de todas as unidades da federação até o fim deste ano. A nova tecnologia, que já começou a ser implantada, com a digitalização de processos, deve superar inconsistências nos dados do tribunal, como os encontrados pela reportagem nos processos de presos condenados em 2ª instância.

Segundo informações do site do TJ-GO de agosto, o Seeu funciona em 17 unidades da federação e está sendo implantado em três. O objetivo é padronizar dados da execução penal no Brasil.

No dia 1º de outubro, o tribunal recebeu um reforço na força-tarefa para implantação do Seeu de 24 voluntários do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), da Organização das Nações Unidas (ONU), que devem ficar no Estado em dezembro. Além deles, 20 soldados do Exército auxiliaram no início do mês passado. O grupo é responsável pela digitalização de 43 mil processos das comarcas do interior. Somados com os da capital, serão cadastrados um total de 58 mil processos.

Participam da implantação do novo sistema 13 terceirizados, 20 estagiários, dois chapas e 10 voluntários da Organização das Voluntárias do Estado de Goiás (OVG).
A criação do Seeu foi determinada pelo CNJ como cumprimento à Lei 12.714 de 2012, que dispõe sobre a criação de um sistema informatizado de acompanhamento da execução da pena no Brasil. Ele deve conter informações detalhadas de cada pessoa presa no País, como tipo da pena, tempo de condenação e data de conclusão do inquérito, em caso de prisão sem condenação.

A implantação do Seeu é coordenada pelo juiz auxiliar da Presidência, Cláudio Henrique Araújo de Castro.

Fonte: Jornal O Popular

Link: https://www.opopular.com.br/noticias/cidades/n%C3%BAmero-de-presos-liberados-em-goi%C3%A1s-%C3%A9-mist%C3%A9rio-1.1932145