Violência afugenta alunos e professores de escolas da periferia

Pesquisa aponta maior dificuldade de colégios distantes para oferecer ensino de qualidade. Insegurança seria um dos motivos

Escolas distantes dos centros das cidades enfrentam mais dificuldade para oferecer ensino de qualidade, segundo estudo As Desigualdades na Educação no Brasil: o que Apontam os Diretores das Escolas apresentado pela Fundação Lemann, de São Paulo. Os dados mostram que as unidades de ensino da periferia também têm mais impedimentos para manter professores nas salas de aula, além de terem menos vagas preenchidas.

Um dos motivos apontados por professores e alunos de escolas da periferia da região metropolitana da capital é a criminalidade, que acaba afastando não só professores, mas também alunos que perdem o interesse nas vagas existentes por conta de distância ou violência. É o caso do Colégio Estadual Buriti Sereno Garden, em Aparecida de Goiânia, onde servidores e alunos narram sequências de assaltos e constrangimentos.

“Um estudante foi roubado por dois adolescentes que desceram de um carro, levaram seu boné, sacaram o revólver e começaram a atirar na direção dele, que correu pra dentro do colégio. Eu estava logo atrás dele e fiquei muito assustada”, relata uma aluna da Educação para Jovens e Adultos (EJA) do Colégio Estadual Buriti Sereno Garden.

E a insegurança seria ainda maior na saída do período noturno para quem depende do transporte coletivo. “Você tem que perder até duas aulas para chegar no ponto antes das nove e meia (21 horas), porque se não for antes, eles (assaltantes) já chegam com a arma na sua cara”, conta uma estudante sobre as abordagens constantes das quais já foi vítima.

A insegurança diária relatada por alunos e servidores acabam por distanciar vítimas e alunos amedrontados da sala de aula. Mato alto ao redor da escola, falta de iluminação e policiamento contribuiriam para a redução do número de alunos em algumas turmas. “Alguns saem por medo, trauma ou só por distancia, mas uma sala que antes eu tinha 50 alunos, hoje eu tenho 35”, diz um professor sobre a violência fora dos muros da escola.

Apesar dos dados da pesquisa e relatos de professores que solicitaram remoção dentro da rede pública por conta da violência, a maioria dos educadores entrevistados afirmou reconhecer a maior vulnerabilidade de algumas escolas, porém dize não ter sofrido nenhum tipo de violência em todo período de ensino.

“Eu estou (na escola ) porque amo a rede pública”, diz professor

“Eu estou porque amo a rede pública, mas conheço muitos professores que abandonaram a rede pública por conta da violência”, contou um professor de filosofia da Região Noroeste de Goiânia. A presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado de Goiás (Sintego), Bia de Lima, confirma a insegurança como uma reivindicação da categoria: “Tem quem prefira abandonar o concurso a assumir determinadas bairros, seja por deslocamento ou insegurança. E alguns que aceitam mal esperam o fim do estágio probatório para pedir remoção”.

Um professor de geografia no Setor Nova Cidade, em Aparecida de Goiânia, relata problema também com alunos. “Ele (um aluno) jogou a merenda em mim e tomou uma suspensão por isso. Daí por diante ele começou a me ameaçar dizendo que iria me matar”, disse o professor que preferiu abandonar o colégio.

Falta de qualidade atinge quem mais precisaria dela

Estudo identifica que diferença entre escolas não promove equidade. Secretaria diz que quadro nacional não se reflete na rede goiana

O responsável pela pesquisa realizada pela Fundação Lemann sobre a qualidade do ensino (veja mais na página anterior), Ernesto Martins Faria, entende que os dados são preocupantes, já que percebe que o sistema educacional não está conseguindo promover equidade no ensino. Após o estudo, também disse que percebeu que os alunos que mais precisam estão em escolas piores – quando se trata de estrutura e apoio – e isso contribui com as desigualdades. Ele diz, no entanto, que é possível perceber esforços dos gestores para garantir o básico, mas afirma que são necessários empenho de mais recursos para que mais alunos tenham interesse nos estudos e permaneçam nas salas de aula.

Professor e especialista em educação pública, Leonardo Carvalho defende que o ensino, especialmente nas periferias, precisa atenção especial por diversos motivos. “Cada região, em cada cidade, tem uma realidade e, na maioria dos casos, são observadas separadamente pelas secretarias na hora de fazer o planejamento. Mas para atrair o aluno, é necessário que haja incentivo e inovação.”

Superintendente de inteligência pedagógica da Secretaria Estadual de Educação, Cultura e Esporte (Seduce), Marcelo Jerônimo aponta que a realidade goiana é diferente da observada na pesquisa. “Sob o ponto de vista socioeconômico, não percebemos que a localidade seja determinante na permanência do professor ou do aluno, mas o engajamento dos envolvidos.” Ele explica que a distância percorrida pelo professor, por exemplo, não impacta de maneira drástica nas salas de aula, como em cidades maiores, a exemplo de São Paulo.

As dificuldades de contratação, segundo o superintendente, são relacionadas principalmente às disciplinas. Isso motivou a Seduce a organizar um concurso, a ser lançado, apenas para as áreas de disciplinas exatas. “Matemática, física e química são as que mais enfrentamos problemas para seleção.” Ele diz que por causa da distância, encontra dificuldade apenas em situações extremas, como no caso das unidades de ensino nas áreas rurais e comunidades mais distantes, como os quilombolas ou indígenas.

Professor em escolas de periferia, Renato Regis entende que a rotatividade de professores em Goiás ocorre, principalmente, pela falta de professores efetivos. “Percebo que muitos professores nas escolas mais distantes são contratados. Esse fato contribui para que eles desistam mais facilmente, já que os salários são baixos e não existem muitas garantias. Quando começam as dificuldades, eles desistem. Ou deixam as salas de aula quando encontram qualquer oportunidade que pague mais, mesmo não sendo na área.”

Além da falta de professores que estejam empenhados e engajados, conforme relatou o superintendente da Seduce, Renato Regis vincula a falta de interesse dos alunos aos hábitos familiares. “São regiões em que muitos pais não fizeram nem o ensino médio, ou não tem o costume da leitura ou do estudo.”

Fonte: O Popular

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