População de rua aumentou 50 vezes em Goiás

De 2012 a 2020 o número de famílias em situação de rua foi de 51 para 2.449 – aumento em Goiás foi três vezes maior do que a média nacional 

Fila para receber alimentos | Foto: Reprodução / Associação Tio Cleobaldo

De 2012 a 2020 o número de famílias em situação de rua foi de 51 para 2.449 – aumento em Goiás foi três vezes maior do que a média nacional 

O número de pessoas em situação de rua no estado de Goiás aumentou quase 50 vezes nos últimos anos: eram 51 famílias na rua no ano de 2012 e em 2020 a quantidade de famílias era de 2.449. Neste período, o aumento da população de rua no Estado foi de 37,08%, enquanto a média brasileira foi de 12,95%. Nacionalmente, até 2020, o Brasil tinha 221.869 pessoas em situação de rua, sendo que a estimativa não inclui reflexos da crise provocada pela pandemia de Covid-19.

Os bancos de dados públicos revelam também a interiorização da pobreza: em 2012 a população sem lar vivia principalmente em Goiânia, mas em comparação com 2020, nota-se crescimento de 18,5% da população em situação de rua nos municípios pequenos e médios.

Em estudo publicado recentemente pela Elisée, periódico de Geografia da Universidade Estadual de Goiás (UEG), a mestre em Geografia Jaquelinne Neves de Oliveira analisou bancos de dados públicos como Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS), CadÚnico, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e outros. A especialista alerta também para o fato de que a população real em situação de rua é ainda maior do que a registrada pelos serviços públicos, já que boa parte dessas pessoas não possui documentos e não recebe benefícios de programas de redistribuição de renda.

Italo Wolff – Seu artigo registra um “aumento de famílias em situação de rua no estado de Goiás, passando de 51 no ano de 2012 à 2.449 em 2020.” O que causou um crescimento tão grande?

Jaquelinne Neves de Oliveira – É difícil afirmar com precisão uma causa única para esse crescimento. Investigar de forma mais qualitativa esse aumento é objetivo da pesquisa que estamos desenvolvendo. Mas podemos dizer que esse avanço, reconhecido pelos dados secundários levantados até o momento, é um dos aspectos visíveis do aumento da pobreza no Brasil. Além dos dados do CadÚnico, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) realizada periodicamente pelo IBGE, tem demostrado, por exemplo, o aumento da pobreza e da extrema pobreza no Brasil, especialmente nos quatro últimos anos. O aumento da pobreza está diretamente relacionado à redução de políticas de proteção social, por exemplo, em 2020, 26,19% desses indivíduos em situação de rua, não tiveram acesso ao Programa Bolsa Família, ao aumento do desemprego e da precarização do trabalho e somado a isso ainda temos a elevação do custo de vida principalmente pela inflação dos custos de moradia e de alimentação.

Essa é apenas a população cadastrada na plataforma oficial do governo federal? Se sim, é possível estimar um número total, fora dos radares?

Sim, os dados trabalhados no artigo foram coletados na plataforma do CadÚnico. Ou seja, o cadastro inclui pessoas que foram cadastradas no sistema, por meio do Centro POP (Centro de Referência Especializado para Pessoas em Situação de Rua), CREAS, CRAS e pelo serviço de Abordagem Social dos Municípios. Portanto, pode excluir uma parcela de pessoas que sequer tiveram condições de realizar o cadastro nos sistemas oficiais. Podemos dizer que esses valores, embora muito preocupantes, não representam todo o universo de pessoas em situação de rua.  Ainda assim, são dados bastante confiáveis e nos oferecem informações estatísticas que permitem reconhecer que a problemática existe, que está em crescimento e se espacializa para além de áreas metropolitanas. O problema está se tornando mais complexo e geograficamente mais disperso. Nesse momento ainda não conseguimos estimar essa parcela fora das estatísticas oficiais. Em breve, quando iniciarmos os trabalhos de campo poderemos traçar metodologias para identificar e mensurar essa porcentagem.

Comparativamente com a média nacional, a população em situação de rua em Goiás cresceu mais do que o esperado? Existe algum fenômeno específico do estado que influencie a variação dessa população? 

Em Goiás, entre 2012 a 2021, o aumento da porcentagem da população de rua foi de 37,08%, enquanto a média brasileira foi de 12,95%. Ainda não identificamos um fenômeno específico que explique os resultados de Goiás. Uma das hipóteses levantadas é que o problema esteja relacionado com o aumento da pobreza na população rural do estado de Goiás. Mas, como colocamos anteriormente, o aumento da população de rua está diretamente relacionado ao aumento da pobreza. Aqui cabe o destaque que a taxa de desocupação da população economicamente ativa em Goiás subiu de 5,1% em 2012 para 8,7% em 2021, nesse mesmo período 33.616 famílias deixaram de receber o auxílio do Bolsa Família.

De quem é a responsabilidade por esse crescimento? As principais causas do problema poderiam ser resolvidas na esfera municipal, estadual ou federal?

A pobreza no Brasil é um fenômeno histórico. Está relacionada ao nosso processo de formação socioespacial e das opções políticas por determinados projetos de desenvolvimento. Portanto, há muitos responsáveis. O Brasil passou um período de relativa redução dos indicadores de pobreza e extrema pobreza, inclusive com a saída do Mapa da fome em 2014, mapa a que vergonhosamente voltamos em 2021.  Nesse contexto, as diferentes esferas da administração pública têm condições para combater a pobreza e consequentemente o aumento de pessoas em situação de rua.

Porém, vale destacar que muitos dos fatores que promovem o aumento da pobreza são resultado de processos decisórios. Isto é, redução de políticas de assistência, de serviços básicos de atenção à saúde e educação, de políticas de controle de preços de alimentos, e reformas que retiraram direitos de trabalhadores e aposentados. São processos passíveis de reversão, ou pelo menos profundas mudanças, em função de projetos e decisões políticas em nível nacional.

Em um trecho de seu artigo publicado na Revista Elisée, a senhora cita um “processo de interiorização da população em situação de rua”. Quais são os efeitos dessa migração para os municípios pequenos? 

Ainda não conseguimos identificar se o aumento da população em situação de rua em municípios do interior seja decorrente apenas da migração ou do empobrecimento da população desses municípios. O caráter qualitativo dessa interiorização deve ser melhor investigado. Mas o que destacamos é que, o que há alguns anos era um problema social concentrado em cidades maiores e regiões metropolitanas, agora se manifesta de forma dispersa por todo o estado, inclusive em municípios com quantitativo demográficos muito pequenos. Ou seja, o problema está se tornando muito mais complexo, visto que muitos municípios de baixo peso demográfico, também possuem redes de atenção social deficientes. Na próxima etapa de nossa pesquisa, vamos a campo tentar identificar se esse aumento é resultante de migrações ou empobrecimento da população local.