Agente assassinado chefiava esquema de corrupção e levava drogas para presídio em GO
“Quanto que fez hoje, muito?”
Essa era a pergunta recorrente que Ednaldo Monteiro da Silva, então supervisor de segurança do presídio de Anápolis (GO), fazia aos traficantes Wanderson Rithiele Assis Santana, o Bola, e Leonardo Cândido Correia, o Folião, respectivamente chefes das alas C e B da unidade prisional da terceira maior cidade de Goiás.
Era a prestação de contas sobre tudo o que era arrecadado dentro da prisão: tráfico de drogas, venda de gelo na cantina (R$ 10 a barra), de bebidas (R$ 30 a garrafa), de celulares (R$ 1.000 a unidade), de celas (R$ 5.000 cada). Havia também permissão para saídas noturnas dos presos que chefiavam as alas –Bola saía arrumado e perfumado duas noites por semana, contou uma testemunha ao MP (Ministério Público) de Goiás– e saídas bancárias escoltadas pelos servidores para que detentos sacassem o dinheiro de pagar propina, além da entrada de prostitutas. “Em síntese, apurou-se que detentos daquele presídio comandam muitos crimes praticados dentro e fora da unidade prisional e contam, para isso, com a conivência e participação de alguns agentes prisionais lotados no local”, afirmam os promotores do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) do MP goiano.
A afirmação consta nos autos do processo da Operação Regalia, que teve início no dia 1º de junho de 2016. Em 21 de novembro de 2017, a deflagração da segunda etapa da operação resultou na prisão de Monteiro, do ex-diretor do presídio Fábio de Oliveira Santos e de outros agentes penitenciários acusados de participação no esquema de corrupção. Monteiro teve a prisão relaxada no mês seguinte e passou a responder à investigação em liberdade. Em 2 de janeiro, quando deixava a floricultura de sua família em Anápolis, foi assassinado a tiros dentro de carro por três homens. O agente penitenciário estava indo ao velório do colega de trabalho Eduardo dos Santos, que havia sido morto de maneira semelhante ao sair de seu plantão no presídio.
O UOL apurou que a Policia Civil goiana trabalha com duas hipóteses principais na investigação:
1. Monteiro teria revelado a um interlocutor sua disposição em fazer uma delação premiada e contar tudo o que se sabia do esquema de corrupção de Anápolis. Seu assassinato seria então uma “queima de arquivo”;
2. Monteiro teria tido um desentendimento com seus sócios em negócios ilegais, a exemplo de tráfico de drogas. Para os promotores do Gaeco, “Monteiro era o chefe do esquema de corrupção pela parte dos agentes no presídio de Anápolis”. Em nenhum momento, antes de morrer, ele procurou, oficialmente, os investigadores para negociar uma delação. Inclusive, quando foi detido, ele rechaçou a proposta.
Um preso revelou, em depoimento ao MP-GO, que em determinado momento pegou um pacote de maconha dentro do carro do agente e levou para ser vendido na prisão. A revelação indica que Monteiro não era apenas um agente corrompido, mas também um associado aos chefes das alas do presídio na venda de drogas a outros detentos. Ednaldo Monteiro da Silva tinha apenas uma moto quando começou a trabalhar no local.
Anos depois, comprou um Honda Civic (no valor de R$ 130 mil) e duas motos. Seu contracheque indicava um salário mensal de R$ 3.000, porém sua conta bancária indicava outra realidade: uma movimentação de R$ 300 mil em um período de dez meses, indicou a quebra do sigilos bancários e fiscais autorizada pela Justiça goiana. Interceptações telefônicas captaram diálogos do agente com familiares de presos em que ele negocia vantagens indevidas em troca de favores. Da mãe de um preso, recebeu uma corrente de ouro. Ele é também visto em imagens de câmeras de segurança de agências bancárias de Anápolis escoltando detentos que faziam saques. Nessas ocasiões, os montantes chegavam a até R$ 20 mil. Uma parte do dinheiro era reservado para o pagamento de propinas aos agentes.
Monteiro também era o responsável por avisar aos chefes da ala, por exemplo, quando haveria as inspeções de outros órgãos. As celas dos chefes só eram revistadas por ele e seus parceiros no esquema.
Ex-diretor também é investigado
O então diretor do presídio, Fábio de Oliveira Santos, também participava da divisão do montante arrecadado com propinas, segundo a investigação. Os promotores do Gaeco descobriram que ele promovia “falsas inspeções” para dar satisfação aos superiores na administração penitenciária de Goiás. Uma parte do que era recolhido era devolvido aos chefes das alas: celulares e drogas.
“Além das denúncias anônimas que também citam de forma contundente o nome de Fábio como autorizador e responsável pela entrada de drogas, de armas e de dinheiro ilícito na unidade, existem depoimentos de detentos e de agentes penitenciários que testemunharam os atos irregulares”, afirmam os promotores do Gaeco.
Interceptações telefônicas flagraram o então diretor combinando atos ílicitos com agentes envolvidos no esquema. A quebra de sigilos bancário e fiscal revelou uma renda incompatível com o que foi declarado às autoridades. “A defesa só vai se manifestar após o MP oferecer a denúncia.
Até agora, o que se fala sobre a conduta são acusações genéricas, não se aponta um fato específico”, afirmou o advogado Emílio Fernandes de Lima, que defende o ex-diretor. Agentes penitenciários que não se enquadravam no esquema chegavam a ser ameaçados. Um deles, ao aceitar contar o que sabia no processo da Operação Regalia, teve de aderir ao programação de proteção a testemunhas. Em determinado momento, policiais civis do Genarc (Grupo de Repressão a Narcóticos) começaram a participar da investigação.
Operação descobriu balança de precisão
A segunda etapa da Operação Regalia encontrou uma balança de precisão, usada para o tráfico de drogas, dentro da prisão.
Um total de R$ 85 mil em espécie foi apreendido.
Ao jornal Folha de S.Paulo, o secretário da Segurança Pública, Ricardo Balestreri, afirmou que foi tomado por um “sentimento de indignação” ao ver as imagens de agentes prisionais escoltando presos em banco. “Estamos fazendo operações para limpar o sistema penitenciário.
A ordem é que se faça um pente-fino em todos os 142 presídios em Goiás. Nossa postura é dura e enérgica contra os desvios”, disse Balestreri, que à época também comandava a administração penitenciária do Estado. Recém-nomeado diretor de administração penitenciária de Goiás, o coronel da Polícia Militar Edson Costa Araújo afirmou que combaterá casos de corrupção no sistema prisional do Estado e, com esse objetivo, trouxe para sua equipe um delegado especializado em investigar facções criminosas.
Os promotores do Gaeco já denunciaram três núcleos de presos e seus comparsas pelos crimes de tráfico de drogas, além de associação com o tráfico e organização criminosa. Uma quarta denúncia, com foco nos servidores públicos, será oferecida à Justiça goiana nos próximos dias.
O MP-GO também vai aprofundar a investigação de lavagem de dinheiro dos traficantes e dos agentes envolvidos no esquema. Os chefes de alas foram transferidos para o Núcleo de Custódia do complexo prisional de Goiânia, considerada a melhor unidade penitenciária do Estado, apesar de sua proximidade com outras prisões do mesmo local que sediaram rebeliões na primeira semana de janeiro. Com a permissão da Justiça, o ex-diretor Fábio de Oliveira Santos deixou a cidade. Ele alegou temer por sua vida.
A Polícia Civil goiana, por meio de uma força-tarefa, trabalha no esclarecimento do homicídio de Ednaldo Monteiro da Silva. “Se não mudar o nosso modelo prisional que permite visitas íntimas a presos, sem o monitoramento por parte das autoridades, esquemas de corrupção como esse de Anápolis continuarão a existir em todo o sistema penitenciário brasileiro”, afirmam os promotores do Gaeco/MP-GO.
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