Mais de 1.2 mil casos de perseguição foram registrados em 2022
Durante o ensino médio, a jovem ‘M.E’ conheceu um rapaz com quem desenvolveu uma relação de amizade. À época, com 17 anos, ele idealizou um relacionamento amoroso que existia apenas na cabeça dele. O “amor platônico” se tornou aterrorizante para a jovem. No começo eram diversas cartas deixadas por ele na caixa de correio da casa dela. Mensagens em redes sociais, chantagens emocionais com ameaças de suicídio até escalar para a intimidação física.
Vítimas relatam temor de casos de stalking dentro e fora da internet | Foto: Reprodução
Ela se afastou, parou de responder as mensagens e o ignorou completamente, mas o comportamento dele piorou. “Um dia eu encontrei com ele pessoalmente e ele veio puxar papo e eu fingindo que nada tinha acontecido. Foi uma péssima decisão porque o menino era maluco. Ele escreveu mais uma das cartas dizendo que por eu ignorar, ele tinha vontade de tacar fogo na minha casa”, relata.
Relatos dessa natureza fazem parte da realidade, especialmente, de mulheres. Casos de perseguição – também conhecido como stalking – foram registrados em todas as delegacias de Goiás 1.251 vezes, apenas entre janeiro e maio deste ano, conforme dados da Secretaria de Segurança Pública de Goiás (SSP-GO). A média é de mais de 8 casos por dia. A lei do stalking foi sancionada em abril de 2021 e visa punir perseguição reiterada e por qualquer meio, que ameace a integridade física ou psicológica, invadindo ou perturbando a esfera de liberdade ou privacidade de um indivíduo, com reclusão de seis meses a dois anos, e multa.
A jovem relata que foi aterrorizante e que a situação se estende até os dias atuais e que, para o rapaz, é como se o relacionamento idealizado de fato existisse durante todos os anos. Apesar do medo, ou por causa dele, M.E. nunca denunciou o crime. Entretanto, a presidente da Comissão da Mulher Advogada (CMA), da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Goiás (OAB-GO), Fabiola Ariadne, é importante que a vítima registre a ocorrência perante uma delegacia e que depois comunique as autoridades “de que deseja processar o infrator, dentro do período máximo de 6 meses”.
Persistência apesar da denúncia
O jornalista Marcio Henrique, conta que sofre com perseguição há aproximadamente 11 anos e que a stalker cria diversas contas e que “fica impossível bloquear todas”, mas que a principal já é bloqueada. “Ela sabe de tudo que posto e de tudo que envolve meu nome, ela persegue qualquer mulher que conversa comigo”, afirma. Entretanto, diferente de M.E., Marcio diz que já registrou o boletim de ocorrência, mas que “nunca teve fim”.
O jornalista relata que implora para que ela o deixe em paz. “Ela usa o argumento de que se ela desistir de mim ‘vai estar desobedecendo a Deus’ e ela disse que nunca vai desistir. Eu me sinto privado de ter amigos e muito menos me relacionar. É 24 horas por dia, não tem uma trégua, ela é muito invasiva. Comenta em tudo e fala que se eu não ficar com ela vou estar em pecado e, consequentemente, vou para o inferno”, conta.
No mundo digital e real
Uma diferença também marcante entre os casos foi o meio utilizado para a perseguição, em que M.E. sofreu com o stalking de forma presencial e o jornalista, de forma digital, conhecido como cyberstalking. Vale ressaltar que, para ser enquadrado no crime, a impertinência deve ser habitual, não cabendo tentativa.
Entretanto, apesar de ser algo recorrente, a tentativa também gera medo em potenciais vítimas, como foi o caso de L. Conforme o relato da jovem, ela teve um relacionamento de 1 ano e 8 meses e que, durante a relação, já havia indícios de que em caso de término seria conturbado. Até que o temido dia chegou e eles terminaram, juntamente com o fim veio o medo de que ele começasse a perseguir e, por isso, ela foi para a casa de uma amiga por uns dias para que o rapaz não a achasse. “Com isso, ele foi até a casa de uma outra amiga minha e contou versões equivocadas sobre o relacionamento, mas sempre me colocando como errada. Ficou por horas na casa dessa amiga, até que por fim ela o aconselhou a ir embora e seguir a vida. Na madrugada do dia seguinte ele me ligou chorando e pedindo para voltar, eu disse que não”.
L. conta ainda que a perseguição não parou mesmo após a rejeição, e que ele foi até a casa de outra amiga por não saber o endereço de onde ela estava. Segundo L., ela não se intimidou e disse que ele poderia seguir a vida dele, mas que depois sentiu medo. Assim como M.E., ela não tinha conhecimento sobre a lei, mas que acredita que seja importante para dar maior visibilidade sobre o crime, para que mulheres possam ser resguardadas.
A presidente da CMA da OAB-GO ressalta que a lei é importante, uma vez que aumentou a proteção da vítima, garantindo proteção contra comportamentos “ameaçadores, obsessivos, que causam verdadeiro terror no dia a dia da vítima”, evitando importunação. “Foi importante também para aumentar a pena ao infrator pois, anteriormente, o crime de perseguição era enquadrado apenas como contravenção penal, entendido como crime perturbação de tranquilidade alheia, a pena era de 15 dias a 2 anos e multa, podendo ser aumentada em 50% se for praticada em criança, adolescente, idoso ou contra mulher por razões de gênero”, explica.
Violência
Nesta segunda-feira (28), um senhor de 63 morreu após receber pelo menos dois tiros dentro de uma farmácia no Setor Bueno, em Goiânia. Um servidor municipal e namorado de uma das filhas do idoso é o principal suspeito do crime.
No fim de semana, Felipe Gabriel Jardim teria ameaçado matar toda família após uma discussão, relatou uma das filhas da vítima. Ela afirmou que nesta segunda-feira (27), a família registrou boletim de ocorrência por causa das ameaças, o que deve ter revoltado o suspeito.
Testemunhas relataram que ouviram uma mulher gritando, logo em seguida viaturas da Polícia Militar chegaram ao local, mas o suspeito já tinha fugido.
Fonte: Postado em: 29-06-2022 às 08h07 Por: Maria Paula Borges para O Hoje